Olá!!! Retirei esse texto da minha gramática...
A linguagem falada não é um elemento fixo e imutável. Ao contrário, reflete mudanças do meio social. Vem se transformando através dos tempos e, o mais notável, pode mudar, dentro de uma mesma época, de acordo com as circunstâncias sociais.
Ao ler o texto de Carlos Drummond de
Andrade, que viveu no século XX (1902-1987), você vai sentir a afirmação
acima e se divertir com o inusitado da linguagem através dos tempos.
1. Antigamente as moças
chamavam-se “mademoiselles” e eram todas mimosas e muito prendadas. Não
faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo
não sendo rapagões, faziam-lhe pé-de-alferes, arrastando a asa, mas
ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio
era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia.
2. As pessoas, quando corriam,
antigamente, era para tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro.
Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se
faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entremente, esse ou aquele
embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passava a manta e
azulava, dando às de Vila-Diogo.
3. Os mais idosos, depois da
janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomavam
cautela de não apanhar o sereno. Os mais jovens, esses iam ao
animatógrafo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam em andar de
aeroplano. Estes, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas e até
em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.
4. Havia os que tomavam chá em
criança e, ao visitarem uma família da maior consideração, sabiam cuspir
na escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador
garantia-lhes: “Farei presente”. Outros, ao cruzarem com um sacerdote,
tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”;
ao que o cumprimentado respondia: “Para sempre seja louvado”. E os
eruditos, se alguém espirrava – sinal de defluxo – eram impelidos a
exortar: Dominus tecum.
5. Embora sem saber da missa a
metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com
isso punham a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a
tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita
que lhe faziam quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era
artioso. É verdade que às vezes os meninos eram encapetados, e chegavam a
pitar escondido atrás da igreja. As meninas não: verdadeiros cromos,
umas teteias.
6. Antigamente, certos tipos
faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca
na botija, contavam tudo tintim-por-tintim e iam comer o pão que o diabo
amassou, lá onde Judas perdeu as botas.
7. Uns raros amarravam
cachorros com linguiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam
onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro
e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o
moleque do tabuleiro, quase sempre um “cabrito”, não tivesse catinga.
Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e
meca, traziam as novidades “de baixo”, ou seja, do Rio de Janeiro. Ele
vinha dar uma prosa e deixar presente ao dono da casa um canivete
roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear
do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais que velhacos: eram
grandessíssimos tratantes.
8. Acontecia o indivíduo
apanhar uma constipação; ficando perrengue, mandava um próprio chamar o
doutor e, depois, ia à botica para aviar a receita, de cápsulas ou
pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica.
9. Antigamente os sobrados tinham assombrações; os meninos, lombrigas; asthma, os gatos; os homens portavam ceroulas, botinas e capa de goma; a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London; não havia fotógrafos, mas retratistas e os cristãos não morriam: descansavam.
10. Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.
(Carlos Drummond de Andrade, Quadrante 1. 4ª Edição, Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1966)
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