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sábado, 30 de março de 2013

Pai Contra Mãe - Machado de Assis - Conto Integral

A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dous para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber. perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dous pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.

O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com freqüência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: "gratificar-se-á generosamente", -- ou "receberá uma boa gratificação". Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.

Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.
Cândido Neves, -- em família, Candinho,-- é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga, cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos. Tinha um defeito grave esse homem, não agüentava emprego nem ofício, carecia de estabilidade; é o que ele chamava caiporismo. Começou por querer aprender tipografia, mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor bem, e ainda assim talvez não ganhasse o bastante; foi o que ele disse a si mesmo. O comércio chamou-lhe a atenção, era carreira boa. Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho. A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda do orgulho, e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade. Fiel de cartório, contínuo de uma repartição anexa ao Ministério do Império, carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos.
Quando veio a paixão da moça Clara, não tinha ele mais que dívidas, ainda que poucas, porque morava com um primo, entalhador de ofício. Depois de várias tentativas para obter emprego, resolveu adotar o ofício do primo, de que aliás já tomara algumas lições. Não lhe custou apanhar outras, mas, querendo aprender depressa, aprendeu mal. Não fazia obras finas nem complicadas, apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras. Queria ter em que trabalhar quando casasse, e o casamento não se demorou muito.
Contava trinta anos. Clara vinte e dous. Ela era órfã, morava com uma tia, Mônica, e cosia com ela. Não cosia tanto que não namorasse o seu pouco, mas os namorados apenas queriam matar o tempo; não tinham outro empenho. Passavam às tardes, olhavam muito para ela, ela para eles, até que a noite a fazia recolher para a costura. O que ela notava é que nenhum deles lhe deixava saudades nem lhe acendia desejos. Talvez nem soubesse o nome de muitos. Queria casar, naturalmente. Era, como lhe dizia a tia, um pescar de caniço, a ver se o peixe pegava, mas o peixe passava de longe; algum que parasse, era só para andar à roda da isca, mirá-la, cheirá-la, deixá-la e ir a outras.

O amor traz sobrescritos. Quando a moça viu Cândido Neves, sentiu que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile; tal foi--para lembrar o primeiro ofício do namorado, -- tal foi a página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado. O casamento fez-se onze meses depois, e foi a mais bela festa das relações dos noivos. Amigas de Clara, menos por amizade que por inveja, tentaram arredá-la do passo que ia dar. Não negavam a gentileza do noivo, nem o amor que lhe tinha, nem ainda algumas virtudes; diziam que era dado em demasia a patuscadas.
--Pois ainda bem, replicava a noiva; ao menos, não caso com defunto. --Não, defunto não; mas é que...
Não diziam o que era. Tia Mônica, depois do casamento, na casa pobre onde eles se foram abrigar, falou-lhes uma vez nos filhos possíveis. Eles queriam um, um só, embora viesse agravar a necessidade.
--Vocês, se tiverem um filho, morrem de fome, disse a tia à sobrinha.
--Nossa Senhora nos dará de comer, acudiu Clara. Tia Mônica devia ter-lhes feito a advertência, ou ameaça, quando ele lhe foi pedir a mão da moça; mas também ela era amiga de patuscadas, e o casamento seria uma festa, como foi.
A alegria era comum aos três. O casal ria a propósito de tudo. Os mesmos nomes eram objeto de trocados, Clara, Neves, Cândido; não davam que comer, mas davam que rir, e o riso digeria-se sem esforço.
Ela cosia agora mais, ele saía a empreitadas de uma cousa e outra; não tinha emprego certo.
Nem por isso abriam mão do filho. O filho é que, não sabendo daquele desejo específico, deixava-se estar escondido na eternidade. Um dia. porém, deu sinal de si a criança; varão ou fêmea, era o fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura. Tia Mônica ficou desorientada, Cândido e Clara riram dos seus sustos.
--Deus nos há de ajudar, titia, insistia a futura mãe.
A notícia correu de vizinha a vizinha. Não houve mais que espreitar a aurora do dia grande. A esposa trabalhava agora com mais vontade, e assim era preciso, uma vez que, além das costuras pagas, tinha de ir fazendo com retalhos o enxoval da criança. À força de pensar nela, vivia já com ela, media-lhe fraldas, cosia-lhe camisas. A porção era escassa, os intervalos longos. Tia Mônica ajudava, é certo, ainda que de má vontade.
--Vocês verão a triste vida, suspirava ela. --Mas as outras crianças não nascem também? perguntou Clara. --Nascem, e acham sempre alguma cousa certa que comer, ainda que pouco... --Certa como? --Certa, um emprego, um ofício, uma ocupação, mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem gasta o tempo?
Cândido Neves, logo que soube daquela advertência, foi ter com a tia, não áspero mas muito menos manso que de costume, e lhe perguntou se já algum dia deixara de comer. --A senhora ainda não jejuou senão pela semana santa, e isso mesmo quando não quer jantar comigo. Nunca deixamos de ter o nosso bacalhau... --Bem sei, mas somos três. --Seremos quatro. --Não é a mesma cousa. -- Que quer então que eu faça, além do que faço? -- Alguma cousa mais certa. Veja o marceneiro da esquina, o homem do armarinho, o tipógrafo que casou sábado, todos têm um emprego certo... Não fique zangado; não digo que você seja vadio, mas a ocupação que escolheu é vaga. Você passa semanas sem vintém. -- Sim, mas lá vem uma noite que compensa tudo, até de sobra. Deus não me abandona, e preto fugido sabe que comigo não brinca; quase nenhum resiste, muitos entregam-se logo.
Tinha glória nisto, falava da esperança como de capital seguro. Daí a pouco ria, e fazia rir à tia, que era naturalmente alegre, e previa uma patuscada no batizado.

Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador, como abrira mão de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. Não obrigava a estar longas horas sentado. Só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Cândido Neves lia os anúncios, copiava-os, metia-os no bolso e saía às pesquisas. Tinha boa memória. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido, gastava pouco tempo em achá-lo, segurá-lo, amarrá-lo e levá-lo. A força era muita, a agilidade também. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de cousas remotas, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificação; interrompia a conversa e ia atrás do vicioso. Não o apanhava logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificação nas mãos. Nem sempre saía sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão.
Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde. O senhorio mandava pelo aluguéis.

Clara não tinha sequer tempo de remendar a roupa ao marido, tanta era a necessidade de coser para fora. Tia Mônica ajudava a sobrinha, naturalmente. Quando ele chegava à tarde, via-se-lhe pela cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já lhe sucedia, ainda que raro, enganar-se de pessoa, e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor; tal era a cegueira da necessidade. Certa vez capturou um preto livre; desfez-se em desculpas, mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem.
--É o que lhe faltava! exclamou a tia Mônica, ao vê-lo entrar, e depois de ouvir narrar o equívoco e suas conseqüências. Deixe-se disso, Candinho; procure outra vida, outro emprego.
Cândido quisera efetivamente fazer outra cousa, não pela razão do conselho, mas por simples gosto de trocar de ofício; seria um modo de mudar de pele ou de pessoa. O pior é que não achava à mão negócio que aprendesse depressa.
A natureza ia andando, o feto crescia, até fazer-se pesado à mãe, antes de nascer. Chegou o oitavo mês, mês de angústias e necessidades, menos ainda que o nono, cuja narração dispenso também. Melhor é dizer somente os seus efeitos. Não podiam ser mais amargos.
--Não, tia Mônica! bradou Candinho, recusando um conselho que me custa escrever, quanto mais ao pai ouvi-lo. Isso nunca!
Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura de tolerar a dous jovens pais que espreitavam a criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular... Enjeitar quê? enjeitar como? Candinho arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de jantar. A mesa, que era velha e desconjuntada, esteve quase a se desfazer inteiramente. Clara interveio. --Titia não fala por mal, Candinho. --Por mal? replicou tia Mônica. Por mal ou por bem, seja o que for, digo que é o melhor que vocês podem fazer. Vocês devem tudo; a carne e o feijão vão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumentar? E depois, há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior. Este será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua. Enfim...
Tia Mônica terminou a frase com um gesto de ombros, deu as costas e foi meter-se na alcova. Tinha já insinuado aquela solução, mas era a primeira vez que o fazia com tal franqueza e calor,-- crueldade, se preferes. Clara estendeu a mão ao marido, como a amparar-lhe o ânimo; Cândido Neves fez uma careta, e chamou maluca à tia, em voz baixa. A ternura dos dous foi interrompida por alguém que batia à porta da rua.
--Quem é? perguntou o marido. --Sou eu.
Era o dono da casa, credor de três meses de aluguel, que vinha em pessoa ameaçar o inquilino. Este quis que ele entrasse.
--Não é preciso... --Faça favor.
O credor entrou e recusou sentar-se, deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora; achou que pouco. Vinha receber os aluguéis vencidos, não podia esperar mais; se dentro de cinco dias não fosse pago, pô-lo-ia na rua. Não havia trabalhado para regalo dos outros. Ao vê-lo, ninguém diria que era proprietário; mas a palavra supria o que faltava ao gesto, e o pobre Cândido Neves preferiu calar a retorquir. Fez uma inclinação de promessa e súplica ao mesmo tempo. O dono da casa não cedeu mais.
--Cinco dias ou rua! repetiu, metendo a mão no ferrolho da porta e saindo.

Candinho saiu por outro lado. Nesses lances não chegava nunca ao desespero, contava com algum empréstimo, não sabia como nem onde, mas contava. Demais, recorreu aos anúncios. Achou vários, alguns já velhos, mas em vão os buscava desde muito. Gastou algumas horas sem proveito, e tornou para casa. Ao fim de quatro dias, não achou recursos; lançou mão de empenhos, foi a pessoas amigas do proprietário, não alcançando mais que a ordem de mudança.
A situação era aguda. Não achavam casa, nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma; era ir para a rua. Não contavam com a tia. Tia Mônica teve arte de alcançar aposento para os três em casa de uma senhora velha e rica, que lhe prometeu emprestar os quartos baixos da casa, ao fundo da cocheira, para os lados de um pátio. Teve ainda a arte maior de não dizer nada aos dous, para que Cândido Neves, no desespero da crise começasse por enjeitar o filho e acabasse alcançando algum meio seguro e regular de obter dinheiro; emendar a vida, em suma. Ouvia as queixas de Clara, sem as repetir, é certo, mas sem as consolar. No dia em que fossem obrigados a deixar a casa, fá-los-ia espantar com a notícia do obséquio e iriam dormir melhor do que cuidassem.

Assim sucedeu. Postos fora da casa, passaram ao aposento de favor, e dous dias depois nasceu a criança. A alegria do pai foi enorme, e a tristeza também. Tia Mônica insistiu em dar a criança à Roda. "Se você não a quer levar, deixe isso comigo; eu vou à Rua dos Barbonos." Cândido Neves pediu que não, que esperasse, que ele mesmo a levaria. Notai que era um menino, e que ambos os pais desejavam justamente este sexo. Mal lhe deram algum leite; mas, como chovesse à noite, assentou o pai levá-lo à Roda na noite seguinte.
Naquela reviu todas as suas notas de escravos fugidos . As gratificações pela maior parte eram promessas; algumas traziam a soma escrita e escassa. Uma, porém, subia a cem mil-réis. Tratava-se de uma mulata; vinham indicações de gesto e de vestido. Cândido Neves andara a pesquisá-la sem melhor fortuna, e abrira mão do negócio; imaginou que algum amante da escrava a houvesse recolhido. Agora, porém, a vista nova da quantia e a necessidade dela animaram Cândido Neves a fazer um grande esforço derradeiro. Saiu de manhã a ver e indagar pela Rua e Largo da Carioca, Rua do Parto e da Ajuda, onde ela parecia andar, segundo o anúncio. Não a achou; apenas um farmacêutico da Rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga, três dias antes, à pessoa que tinha os sinais indicados. Cândido Neves parecia falar como dono da escrava, e agradeceu cortesmente a notícia. Não foi mais feliz com outros fugidos de gratificação incerta ou barata.

Voltou para a triste casa que lhe haviam emprestado. Tia Mônica arranjara de si mesma a dieta para a recente mãe, e tinha já o menino para ser levado à Roda. O pai, não obstante o acordo feito, mal pôde esconder a dor do espetáculo. Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara; não tinha fome, disse, e era verdade. Cogitou mil modos de ficar com o filho; nenhum prestava. Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia. Consultou a mulher, que se mostrou resignada. Tia Mônica pintara-lhe a criação do menino; seria maior a miséria, podendo suceder que o filho achasse a morte sem recurso. Cândido Neves foi obrigado a cumprir a promessa; pediu à mulher que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe. Assim se fez; o pequeno adormeceu, o pai pegou dele, e saiu na direção da Rua dos Barbonos.
Que pensasse mais de uma vez em voltar para casa com ele, é certo; não menos certo é que o agasalhava muito, que o beijava, que cobria o rosto para preservá-lo do sereno. Ao entrar na Rua da Guarda Velha, Cândido Neves começou a afrouxar o passo. --Hei de entregá-lo o mais tarde que puder, murmurou ele. Mas não sendo a rua infinita ou sequer longa, viria a acabá-la; foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à Rua da Ajuda. Chegou ao fim do beco e, indo a dobrar à direita, na direção do Largo da Ajuda, viu do lado oposto um vulto de mulher; era a mulata fugida. Não dou aqui a comoção de Cândido Neves por não podê-lo fazer com a intensidade real. Um adjetivo basta; digamos enorme. Descendo a mulher, desceu ele também; a poucos passos estava a farmácia onde obtivera a informação, que referi acima. Entrou, achou o farmacêutico, pediu-lhe a fineza de guardar a criança por um instante; viria buscá-la sem falta.
--Mas...

Cândido Neves não lhe deu tempo de dizer nada; saiu rápido, atravessou a rua, até ao ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarma. No extremo da rua, quando ela ia a descer a de S. José, Cândido Neves aproximou-se dela. Era a mesma, era a mulata fujona. --Arminda! bradou, conforme a nomeava o anúncio.
Arminda voltou-se sem cuidar malícia. Foi só quando ele, tendo tirado o pedaço de corda da algibeira, pegou dos braços da escrava, que ela compreendeu e quis fugir. Era já impossível. Cândido Neves, com as mãos robustas, atava-lhe os pulsos e dizia que andasse. A escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário. Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus.
--Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço! -- Siga! repetiu Cândido Neves. --Me solte! --Não quero demoras; siga!
Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes,--cousa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoutes.
--Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntou Cândido Neves.
Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele. Também é certo que não costumava dizer grandes cousas. Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.
--Aqui está a fujona, disse Cândido Neves. -- É ela mesma. --Meu senhor! --Anda, entra...
Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinqüenta mil-réis, enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou.

O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer as conseqüências do desastre.
Quando lá chegou, viu o farmacêutico sozinho, sem o filho que lhe entregara. Quis esganá-lo. Felizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá dentro com a família, e ambos entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor. Agradeceu depressa e mal, e saiu às carreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa de empréstimo com o filho e os cem mil-réis de gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga. Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas, verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto.
--Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.


sexta-feira, 29 de março de 2013

Pai Contra Mãe - Machado de Assis

Olá, gente!!

Postei aqui no blog sobre o conto Pai Contra Mãe, que não foi escrito por mim.Um resumo, na verdade.Mas não tinha lido ainda, agora que li quero fazer meus comentários.

O conto se passa no período do Império. Cândido Neves é um dos personagens, este não gosta de trabalhar e não durava muito tempo em um mesmo emprego,  parecia nunca se contentar com um trabalho. Até que decidiu ter o ofício de capturar escravos fugidos. Naquele período os donos que perdiam seus escravos faziam um anúncio e colocavam as características de seus escravos para que estes pudessem ser encontrados. Esse era o ofício dele ( a imagem  é um exemplo de um anúncio). Certo dia ele resolve casar com Clara, que por ser órfã morava com sua tia Mônica. 

Clara e Candinho queriam muito ter um filho, porém a tia era contra, pois ela dizia que eles não tinha condições para se sustentar e com uma pessoa a mais tudo seria pior. No decorrer da gravidez de Clara a situação parece piorar, ele continua sem um bom emprego. Eles acabam tendo que comprar comida fiado e não conseguem pagar o aluguel de onde moram. Pouco antes da criança nascer eles são despejados.
Quando esta nasce a tia Mônica persiste em levar a criança na ''Roda dos enjeitados'' para que possa ser adotado e ter uma condição melhor de vida. Apesar de não quererem entregar seu filho tanto Clara como Cândido reconhecem sua situação e concordam que não têm condições de criar a criança.

Candinho decide ele mesmo levar seu filho, porém no caminho ele encontra uma escrava fugida, Arminda. Ele captura a escrava e a leva para seu senhor. Por ter encontrado ela Cândido recebe uma recompensa grande que o possibilitou ficar com seu filho. Mas a escrava que ele capturou estava grávida e acabou abortando o filho com os açoites e castigos recebidos.


'' O fruto de algum tempo entrou sem vida nesse mundo, entre os gemidos da mãe e o desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, urgia correr a Rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer as consequências do desastre. ''

Por isso o nome do conto Pai ( Cândido) Contra Mãe ( Arminda - escrava), que mostra que a vida do filho de Candinho custou a vida do filho da escrava.

''O autor mostra a miséria humana, através dos dramas paralelos de um pai contra mãe, lutando por duas vidas, onde o indivíduo é capaz de aplacar sua consciência, mesmo tendo cometido o maior dos crimes, justificando a troca de uma vida pela outra.''





segunda-feira, 25 de março de 2013

O Fantasma da Ópera - Gaston Leroux

Olá, gente!!
Eu já tinha lido sobre o livro, mas sempre ia adiando a leitura. Até que um amigo insistiu para que eu o lesse  e, ainda bem, porque eu ADOREI!!

Sinopse:


Somente a música e o amor são imortais. Que aterrorizante segredo esconde-se nos subterrâneos da Ópera de Paris? Que mistério atormenta um dos mais majestosos palácios dedicados à arte na capital francesa? Uma das histórias de terror e amor mais famosas do século XX, O fantasma da Ópera combina romance e suspense para narrar o triângulo amoroso entre a linda e talentosa cantora lírica Christine Daaé, o frágil e apaixonado visconde Raoul de Chagny e o sinistro e obcecado gênio da música que habita os porões do teatro. Com contornos de relato histórico, a narrativa conduz o leitor pelos labirintos da Ópera e do coração humano, revelando o que há de mais obscuro em ambos.os.

Para começar vou dizendo que o livro é tão bom que nem sei se vou saber escrever sobre ele, mas vou tentar.


A história se passa, principalmente, na Ópera de Paris, em que todas as coisas ruins que acontecem nesse local é culpa de um fantasma. Chagny e Christine Daaé são muito próximos desde a infância. Ela é uma cantora lírica e em uma certa noite, após um show, Chagny resolvi visitar a moça no seu camarim, porém ela demonstra não ter gostado da presença do rapaz e pede para que ele se retire. Logo depois, ele escuta uma voz de homem vindo do camarim dela. Ele passa não só por um momento de ciúmes, mas de espanto, pois havia deixado Christine sozinha lá. Chagny começa a investigar sobre isso e  se aproxima, cada vez mais, dela, mesmo ela pedindo para que ele fizesse o contrário.


Ele não é o único a ficar intrigado com isso, os diretores da Ópera também. A partir desse momento a história adquiri um suspense enorme e o mistério sobre a existência do Fantasma da Ópera ( F. da Ó.) cresce cada vez mais. Foi quando eu já não consegui mais parar de ler. Por isso é uma leitura rápida, quem lê somente consegue soltar o livro quando descobre o final.

Algumas vezes o fantasma mostra ser violento, mau, louco; em outras mostra -se alguém triste, abalado, solitário e até mesmo passivo. Você não sabe como julgar ele. Eu senti muita compaixão e pena dele. Mas ainda assim torcia para ela ficar com o Chagny. Me surpreendi demais com o final feito pelo autor. 

Frases:


'' Pobre, infeliz Erik! Devemos  ter pena dele? Devemos execrá-lo? Ele só pedia para ser alguém como todo mundo. Mas era feio demais. Precisou escondeu seu gênio ou usá-lo para pregar peças, quando com um rosto comum teria sido dos mais nobres da espécie humana. Tinha um coração capaz de abrir o mundo, e, no fim, teve de se contentar com um porão. Sim, devemos ter pena do Fantasma da Ópera.'' 


'' Minha pequena Cristiane! Você não me ama, mas não importa, você me amará. Antes, não olhava para a minha máscara , porque sabia o que estava atrás. Agora, olha,  e se esqueceu do rosto atrás. Não me rejeita mais. A gente se habitua a tudo, quando quer. '' 



''...Estou cansado de tudo. Cansado de ter uma floresta em casa, uma câmara de tortura e de morar como um charlatão, no fundo de uma caixa de fundo duplo. Estou farto! Quero um apartamento tranquilo, com portas e janelas comuns e uma mulher honesta, como todo mundo. Você devia compreender isso. Eu não devia ter de repetir a todo instante.'' 

Opinião de Luiz Antonio Aguiar sobre a obra: 


'' É quase impossível ler O Fantasma da Ópera sem sermos tomados por um conflito de sentimentos. A começar pela própria figura do Fantasma. O que ele nos inspira: medo ou compaixão? E aqui convém superar a obviedade da deformidade do rosto do protagonista. Se nos fixarmos nessa cicatriz, sem enxergarmos a beleza que ela oculta, perderemos justamente as contraposições que tornam esse personagem tão forte, e sua história ao mesmo tempo trágica, assustadora...e comovente. O fantasma é um personagem terrível. Mas apaixonante."



Por favor, quem puder curte a página do blogger no face, aqui.



segunda-feira, 18 de março de 2013

Soneto de Shakespeare e uma música.

Olá, gente!!

Estou quase terminando o livro ''O Fantasma da Ópera''  e quero muito escrever sobre ele aqui. Me apaixonei pela história, muito perfeita. Hoje vi o filme ''O corvo '' e também quero comentar sobre ele nessa semana no blogger.

Semana passada fiz um trabalho de literatura que era para associar um soneto de Shakespeare, dos 150 que existem no livro, com uma música brasileira.

 Quero mostrar o soneto que escolhi ( Nº XI) e a música que relacionei com o soneto.


Ambam enaltecem a importância da descendência, esta que seria a única forma de prolongar uma vida e a manter. Pois através dos filhos os pais podem se ver uma outra vez. A única maneira então de uma vida prosseguir seria por meio da prole e sem ela esta seria estéril e rude. Tudo isso pode ser notado tanto na música como principalmente no soneto.

Soneto XI:
 
> Quando tua vida for minguando, hás de ir crescendo
> Nos filhos em que vás, ora, a multiplicar-te.
> No fresco sangue que a cada um fores cedendo,
> Envenhecido, hás de cada uma ver a estampar-te .
> A beleza e o saber prosperam desta sorte.
> De outro modo, com o mal o bem se consumira.
> Se o mundo, como tu, pensasse, em breve a morte
> De todo em todo a vida universal destruíra.
> Desdenha quem de pai a Glória não aureole.
> Esse, inculto;esse, rude; esse, estéril, se fina.
> Quem mais bem-nascido é pode ter maior prole.
> Os teus preciosos dons, leamente os dissemina.
> Porque a Natura sempre em cópias ver-te anela,
> Tu és - foste assim feito- um sinete para ela.
 
 Música: Filhos - Roupa Nova ( retirei apenas os trechos que achei mais parecido):
 
 Só de olhar você/Tô me vendo outra vez /Criação, meu fruto de paixão
 
Aprendendo a te ensinar /Pra nascer de novo / Aprendendo a te ensinar
 
Pra recriar melhor / Ter que esperar / Se já erramos demais
 
Que eles façam por nós um futuro / Ter que explicar que não vivemos iguais
 
Que há barreiras de cor e de crença / É pensar então /Que eu vou renovar
 
Com você / O amor que eu recebi / Viu-se em mim alguém / Outro pai também
 
Todo amor, se inspira no amor / Aprendendo a te ensinar
 
Pra nascer de novo / Aprendendo a te ensinar / Pra recriar melhor
 
Só de olhar você / Tô me vendo outra vez /Criação, meu fruto de paixão...
 









quinta-feira, 14 de março de 2013

Dia da Poesia

Olá, gente!!

Hoje é 14 de março o dia da poesia. Mas o que é poesia?
 
A poesia é a arte da linguagem humana, do gênero lírico, que expressa sentimento através do ritmo e da palavra cantada. Seus fins estéticos transformaram a forma usual da fala em recursos formais, através das rimas cadenciadas.
As poesias fazem adoração a alguém ou a algo, mas pode ser contextualizada dentro do gênero satírico também.
Existem três tipos de poesias: as existenciais, que retratam as experiências de vida, a morte, as angústias, a velhice e a solidão; as líricas, que trazem as emoções do autor; e a social, trazendo como temática principal as questões sociais e políticas.

Vou colocar aqui no blogger uma poesia de Camões e um soneto que minha amiga adora. Queria  ter coragem para escrever uma poesia minha aqui, mas ainda não tenho. Poesia de Camões:

''Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade

É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?''
Luís de Camões

Soneto da Fidelidade de Vinicius de Morais:

''De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.''


terça-feira, 12 de março de 2013

Menestrel - William Shakespeare

Olá, gente! 


''Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se. E que companhia nem sempre significa segurança. Começa a aprender que beijos não são contratos e que presentes não são promessas.

Começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.


Aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.


Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo.


E aprende que, não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam… E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.


Descobre que se leva anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la…


E que você pode fazer coisas em um instante das quais se arrependerá pelo resto da vida. Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias.


E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida.


E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.


Aprende que não temos de mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam…


Percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa… por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas; pode ser a última vez que as vejamos. Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser.


Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.


Aprende que não importa onde já chegou, mas para onde está indo… mas, se você não sabe para onde está indo, qualquer caminho serve.


Aprende que, ou você controla seus atos, ou eles o controlarão… e que ser flexível não significa ser fraco, ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem, pelo menos, dois lados. Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências. Aprende que paciência requer muita prática.


Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se. Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou. Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.


Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens…


Poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.


Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.


Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém…


Algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo.


Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado.


Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar.


Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, em vez de esperar que alguém lhe traga flores.


E você aprende que realmente pode suportar… que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida! Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar se não fosse o medo de tentar.''


segunda-feira, 4 de março de 2013

Antigamente

Olá!!! Retirei esse texto da minha gramática... 

A linguagem falada não é um elemento fixo e imutável. Ao contrário, reflete mudanças do meio social. Vem se transformando através dos tempos e, o mais notável, pode mudar, dentro de uma mesma época, de acordo com as circunstâncias sociais.
Ao ler o texto de Carlos Drummond de Andrade, que viveu no século XX (1902-1987), você vai sentir a afirmação acima e  se divertir com o inusitado da linguagem através dos tempos.

1.          Antigamente as moças chamavam-se “mademoiselles” e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhe pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia.
2.          As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entremente, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passava a manta e azulava, dando às de Vila-Diogo.
3.          Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomavam cautela de não apanhar o sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam em andar de aeroplano. Estes, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.
4.          Havia os que tomavam chá em criança e, ao visitarem uma família da maior consideração, sabiam cuspir na escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente”. Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”; ao que o cumprimentado respondia: “Para sempre seja louvado”. E os eruditos, se alguém espirrava – sinal de defluxo – eram impelidos a exortar: Dominus tecum.
5.          Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. É verdade que às vezes os meninos eram encapetados, e chegavam a pitar escondido atrás da igreja. As meninas não: verdadeiros cromos, umas teteias.
6.          Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim-por-tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas.
7.          Uns raros amarravam cachorros com linguiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um “cabrito”, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, traziam as novidades “de baixo”, ou seja, do Rio de Janeiro. Ele vinha dar uma prosa e deixar presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.
8.          Acontecia o indivíduo apanhar uma constipação; ficando perrengue, mandava um próprio chamar o doutor e, depois, ia à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica.
9.          Antigamente os sobrados tinham assombrações; os meninos, lombrigas; asthma, os gatos; os homens portavam ceroulas, botinas e capa de goma; a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London; não havia fotógrafos, mas retratistas e os cristãos não morriam: descansavam.
10.          Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.
(Carlos Drummond de Andrade, Quadrante 1. 4ª Edição, Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1966)

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